Concordância

Em grego antigo (daqui pra frente apenas grego), adjetivos que modificam um substantivo ou pronome concordam em gênero, número (como em português) e caso. As categorias disponíveis são:

  • Gênero: masculino, feminino e neutro
  • Número: singular, plural e dual (raro)
  • Caso: nominativo, acusativo, genitivo, dativo e (dependendo da análise) vocativo

Um punhado de exemplos para ilustrar:

ὁ              σοφ-ὸς           θε-ός
det.M.NOM.SG   sábio.M.NOM.SG.  deus.M.NOM.SG.

τὸν            σοφ-ὸν           θε-όν
det.M.ACC.SG   sábio.M.ACC.SG.  deus.M.ACC.SG.

τοῦ            σοφ-οῦ           θε-οῦ
det.M.GEN.SG   sábio.M.GEN.SG.  deus.M.GEN.SG.
"O deus sábio"

ταῖς           σοφ-αῖς           θε-οῖς
det.F.DAT.PL   sábio.F.DAT.PL.  deus.F.DAT.PL.
"As deusas sábias"

Além de adjetivos, particípios em posição “atributiva” também concordam com os substantivos ou pronomes que modificam. O mesmo vale para posições predicativas, onde também nomes concordam (quando possível) com o sujeito da oração, sempre no nominativo, caso usado para marcar o sujeito dos verbos finitos.

ὁ               θε-ός           σοφ-ὸς
det.M.NOM.SG    deus.M.NOM.SG.  sábio.M.NOM.SG.
"O deus é sábio."

ἡ               θε-ὰ            οἰνωπ-ή
det.F.NOM.SG    deus.F.NOM.SG.  pele.vermelha-F.NOM.SG.
"A deusa tem pele vermelha (lit. é pele-vermelha)"

Sujeitos em orações infinitivas

Enquanto o nominativo é o caso base para sujeitos de verbos finitos, os sujeitos de verbos no infinitivo em grego aparecem no acusativo se eles não se referirem ao sujeito da oração principal.

λέγ-ω           τὸν             θε-ὸν           εἶ-ναι          σοφ-όν
dizer.PRES-1SG  det.M.ACC.SG    deus.M.ACC.SG   ser.PRES-INF    sábio-M.ACC.SG
"Eu digo que o deus é sábio."

Se o sujeito do verbo principal e do infinitivo forem o mesmo, então o nominativo se mantém:

λέγ-ει          ὁ               θε-ὸς           εἶ-ναι          σοφ-ός
dizer.PRES-1SG  det.M.NOM.SG    deus.M.NOM.SG   ser.PRES-INF    sábio-M.NOM.SG
"O deus diz ser sábio."

Atração de caso

Algo interessante acontece quando a) o sujeito da oração infinitiva não aparece explicitamente; b) o referente do sujeito da oração infinitiva é um objeto indireto da matriz; e c) um predicativo do sujeito da infinitiva aparece. Em geral, esse predicativo recebe caso acusativo, caso default para o sujeito e seus predicados em orações infinitivas, como no exemplo abaixo:

συμβουλεύ-ω        σοι          … ἐλθόντ-α             εἰς   Δελφ-οὺς
aconselho-1PRES.SG pron.DAT.2SG … ir.PART.AOR-M.ACC.SG prep. D.-M.ACC.PL

ἀνακοινῶ-σ-αι     τῷ           θε-ῷ          περὶ  τῆς          πορεί-ας
consultar-AOR-INF det.M.DAT.SG deus.M.DAT.SG prep. det.F.GEN.SG viagem.F-GEN.SG

'Eu te aconselho ir até Delfos e consultar o deus a respeito da viagem.'

Nesse exemplo, σοι “a ti” está no dativo, servindo de objeto indireto do verbo principal συμβουλεύω “aconselho”. O argumento que representa o “aconselhado” também representa o sujeito da ação aconselhada, então sujeito do particípio ἐλθόντα “indo” tem como referente σοι. Como ἐλθόντα modifica o sujeito “oculto” de uma oração infinitiva, ele recebe caso acusativo. Algumas pessoas consideram essa construção atípica e esperariam que σοι e ἐλθόντ- concordassem, uma vez que não há um sujeito na oração infinitiva com o qual o predicativo possa concordar e seu referente é o mesmo do objeto indireto da matriz. Essa segunda possibilidade ocorre e, pela semelhança com outro fenômeno assim, ganhou o nome de atração de caso. Compare a frase anterior à frase abaixo:

ἀφήκ-ε           μοι          ἐλθόντ-ι              πρὸς  ὑμᾶς
permitir-3AOR.SG pron.DAT.1SG vir.PART.AOR-M.DAT.SG prep. pron.ACC.2PL

λέγ-ειν        τ-ἀληθῆ
dizer.PRES-INF a-verdade.N.ACC.PL

'Ele me permitiu vir em frente a vós e dizer a verdade.

Nesse exemplo, μοι “a mim” está no dativo, igual σοι no exemplo anterior. A relação que ele mantém com ἐλθόντι é a mesma da frase anterior: é o mesmo referente do sujeito “oculto”. Mas dessa vez o particípio ἐλθόντι está no dativo, concordando não com o “sujeito” mas com o referente do sujeito na oração principal. Embora as duas frases sejam extremamente semelhantes, um par mínimo, elas não realizam a mesma atribuição de caso ao particípio. Até agora, não há muita certeza do porquê isso acontece (ou sequer se isso realmente acontece e não é só um resultado estranho da transmissão dos textos). O meu mestrado pretende dar conta pelo menos da distribuição das duas construções, com o intuito de ter uma base mais sólida para explicar qual a diferença entre esses dois exemplos e seus similares.